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A solidão afetiva-sexual da mulher negra em comentários do Youtube.



1. Introdução

Esta pesquisa buscou contribuir numa perspectiva amplo macro com os estudos sobre performatividade de raça, gênero e solidão da mulher negra em mídias sociais presentes na internet. O principal objetivo é apresentar como mulheres negras revertem os ataques sofridos por discursos racistas e sexistas proferidos, na intenção de feri-las, em empoderamento e aquilombamento.

Segundo Gomes, ainda são escassos os estudos que investigam a relação linguagem, raça e poder e não é mais possível para os estudiosos da linguagem apenas focar nas descrições conceituais que não contribuem para a compreensão da relação entre “a linguagem e os dilemas que vivemos no século XXI. A negação da compreensão da força da linguagem na manutenção da opressão e dos estereótipos raciais é uma das formas do racismo se perpetuar” (GOMES, 2015, p.121), ouso dizer que a falta de compreensão da linguagem enquanto forma de opressão também perpetua a solidão da mulher negra. Os discursos racistas e sexistas proferidos contra a mulher negra são uma forma de manter este sistema.

Em seu livro “Mulher negra afetividade e solidão”, nas páginas 23 e 24, Pacheco cita Lélia Gonzalez (1979) e hooks (1995) para tratar a respeito dos estereótipos de servilismo profissional e sexual sobre as mulheres negras, e de serem consideradas só corpo, sem alma. Segundo Gonzalez (1979, p. 13):


A mulher negra é vista pelo restante da sociedade a partir de dois tipos de qualificação ‘profissional’: doméstica e mulata. A profissão de ‘mulata’ é uma das mais recentes criações do sistema hegemônico no sentido de um tipo especial de ‘mercado de trabalho’ [...] produto de exportação. (GONZALEZ, 1979, p. 13 apud PACHECO, 2013, p.24):


O que nos leva a compreender o trecho a seguir:


Em outras palavras, Moutinho reafirma como os constructos de gênero, raça e sexualidade/erotismo compõem os ingredientes fundamentais na base da formação da nação brasileira, em que a “mulata” no campo da sexualidade reafirma o mito freyreano: “ branca para casar, mulata para f... e negra para trabalhar”. (PACHECO, 2013, p. 61)


Em prol de uma perspectiva de pesquisa antirracista e feminista, buscou-se aderir aos construtos teóricos provenientes das perspectivas de Grada Kilomba (2019), bell hooks (2019), Claudete Alves da Silva Souza (2008), Ana Cláudia Lemos Pacheco (2013) e Glenda Cristina Valim de Melo (no prelo). Numa análise de gênero enquanto construção social, cultural, histórica, discursiva e performativa e constatando também a relevância das relações de poder segundo Judith Butler (1997). As teorias de indexicalidade e da trajetória textual (BLOMMAERT 2006, 2010; SILVERSTEIN, 2003) serviram enquanto base para este estudo.


2. Metodologia de pesquisa

Foi realizada uma pesquisa qualitativa e etnográfica de internet iniciada em 06/10/2020, finalizada em 05/07/2021. Neste período, visitei e acompanhei narrativas sobre a solidão de mulheres negras nas mídias sociais, tais como: instagram, facebook, youtube.

Depois de um levantamento nas mídias sobre as narrativas de solidão, escolhi os dados do youtube. Estes foram gerados a partir do texto semiótico “Afetividade e solidão da mulher negra | Minhas vivências” de Victoria Ribeiro publicado em 11 de dezembro de 2017, contando com 6.890 visualizações, 499 likes e 28 dislikes e 175 comentários (até o dia 5 de julho de 2021).

A narrativa presente no vídeo e as encontradas nos comentários mostram as vivências de mulheres negras e seus relatos de como a solidão perpassa as barreiras da solidão afetiva. Os comentários deste serviram como dados para construção da pesquisa personificando os ataques proferidos a mulheres negras e como elas revertem estes ataques e as cicatrizes causadas (MELO, no prelo).


3. Análise de dados


A partir da narrativa de Victória foram identificadas dois tipos de solidão e os efeitos da mesma. São abordadas a Solidão afetiva-sexual, a Solidão familiar e a Auto culpa (efeito da solidão). A análise do vídeo e dos comentários evidenciam o quanto o patriarcado e o racismo dão passibilidade para homens e pessoas brancas estabelecerem seus discursos de ódio propagando seu status de poder. Além de toda estrutura racista evidente no Brasil como um todo, a Solidão da mulher negra tem início desde sua captura na África (MELO, no prelo).

Além disso, há uma invisibilidade desta mulher sinalizada por Victória que mostra o quanto a mulher negra deixa de “existir” nesse contexto de afetividade. Ela passa a ser desconsiderada enquanto sujeita e também não é mais a outra (KILOMBA, 2019) e quando ela alcança um determinado nível social é questionada se irá se dedicar a carreira ou ter uma vida amorosa, como se ela não pudesse ter os dois.

A solidão familiar circunda tanto a mulher negra quanto a criança abandonada. Mantendo o foco na mulher negra, 60% delas são mães solteiras, isto demonstra um número expressivo e relevante que é mais um indicador de solidão e comprova que há casos de mulheres negras criando seus filhos sozinhas por terem sido abandonadas.

Outro efeito é a mulher negra iniciar uma série de questionamentos sobre si mesma, como por exemplo, a sua beleza. O questionamento da beleza da mulher negra ocorre também por não se enquadrarem no perfil de desejo do corpo negro, ou seja, a chamada mulata, como é citado por Pacheco (2013), a qual possui atributos que chamariam a atenção dos homens, por exemplo, considerando as relações cisheteronormativas.

A auto culpa é um efeito proveniente desta solidão e mostra o efeito dos sistemas de opressão, sexismo e racismo. Neste caso, passam a culpa dos opressores para o oprimido. Tornando, assim, uma maneira de perpetuar a solidão das mulheres negras. Ocorreu o reconhecimento dos sistemas de opressão e da estrutura social enquanto um problema que perpetua esta solidão. Houve comentários publicados, na maioria das vezes feito por homens, distorcendo a fala de Victória e dando justificativas racista e sexistas para a solidão proferindo um discurso de ódio.

Houve principal foco em como a mulher negra pode reverter esta solidão e suas dores através dos estudos, da autoestima, do autoamor, valorizando e conhecendo a si mesma.



4. Análise de dados

A solidão da mulher negra é algo antigo presente desde o período escravocrata (MELO, no prelo). O racismo evidente nos comentários encontrados são demonstrações das relações de poder desde o período colonial. Analisando como o sexismo e o racismo constroem a mulher negra notamos o começo do sofrimento e da dor da mulher negra. Ao analisar os tipos de solidão em questão: a afetiva-sexual, a familiar e, também, os efeitos dessa solidão, a auto culpa, mostram a personificação da solidão da mulher negra. O resultado da pesquisa mostra que, apesar das feridas abertas, mulheres negras se aquilombam falando sobre esta solidão e deixando de estar isoladas para se unirem por meio de seus relatos e sororidade. O falar sobre a solidão é uma forma de circular as perspectivas delas e tornarem-se sujeitas (KILOMBA, 2019).



5. Agradecimentos ao apoio financeiro e a orientadora


Reservo este espaço para agradecer a Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) pelo apoio financeiro para realização desta pesquisa de iniciação científica. Agradeço a professora Glenda Cristina Valim de Melo pela orientação durante a pesquisa e por todos o aprendizado




REFERÊNCIAS


AUSTIN, J.L. Quando dizer é fazer. Palavras e ação. Trad. Danilo Marcondes. Porto Alegre: Artes Médicas. [1962] 1990.


BLOMMAERT, J. (2006). Social linguistics scales. London: Working Papers Urban Language & Literacies.


______. (2010). The Sociolinguistics of Globalization. Cambridge: Cambridge University Press.


BUTLER, J. ([1999]2003). Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Trad. Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.


KILOMBA, Grada. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Rio de Janeiro: Editora Cobogó, 2019. 244p.


MELO, G. C. V. de. Mulheres Negras: cicatrizes, solidão e transformação da dor (no prelo).


PACHECO, A. C. L. Mulher negra: afetividade e solidão. Salvador: EDUFBA (Coleção Temas Afro), 2013.


SILVERSTEIN, M. (2003). Indexical order and the dialectics of sociolinguistic life. In: Language & Communication, v. 23, p. 193-229


SOUZA, C. A. da S. A solidão da mulher negra: sua subjetividade e seu preterimento pelo homem negro na cidade de São Paulo. 2008. 174 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2008. Disponível em: https://tede2.pucsp.br/handle/handle/3915.


Victória Ribeiro. AFETIVIDADE E SOLIDÃO DA MULHER NEGRA | Minhas Vivências. 10min 55seg 11 de dezembro de 2017. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=q3lPUNzVSFg.



 

Autora: Júlia Maria Oliveira Ponciano

Estudante de Biblioteconomia pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) desde 2018. Desde nova me interesso por questões raciais. Ao iniciar minha vida acadêmica tive acesso a estudos sobre gênero e interseccionalidade. Quando entrei no Projeto de Iniciação Científica pude adentrar o grupo PRINT.




1 comentário

1 Comment


Glenda Cristina Valim de Melo
Glenda Cristina Valim de Melo
Jan 17, 2023

Muito bom o texto.

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